As pessoas usam a palavra manicômio
para desmoralizar os hospitais psiquiátricos. Internei meu filho em
hospitais que têm piscina, salão de jogos, biblioteca. Mesmo os públicos
não têm mais a camisa de força ou sala com grades. Tive dois filhos
esquizofrênicos. Um morreu, o outro está vivo, mas não tem mais o
problema no mesmo grau. Controlou com remédio, e a idade também ajuda. A
esquizofrenia surge na adolescência e se junta à impetuosidade. Com o
tempo, a pessoa vai amadurecendo. Doença é doença, não é a gente. Se
estou gripado, a gripe não sou eu. A esquizofrenia é uma doença, mas eu
não sou a esquizofrenia. Posso evoluir, me tornar uma pessoa mais
madura, debaixo de toda aquela confusão. O esquizofrênico com 50 anos
não é o mesmo de quando tinha 17.
Qual o pior momento na sua convivência com filhos esquizofrênicos?
Quando a pessoa entra em surto, ela pode se jogar pela janela. Meu
filho, o Paulo, se jogou. Hoje ele anda mancando porque sofreu uma lesão
na coluna. Ele conversava comigo, via televisão, brincava, lia meus
poemas. Em surto, não tinha controle. Queria estrangular a empregada.
Nessas horas, a única maneira é internar e medicar. Nesse estado, sem
nenhum socorro, o esquizofrênico pode fazer qualquer coisa.
A família pobre faz o quê, se não tem mais onde internar?
Se mantiver a pessoa em casa, ela poderá tocar fogo em tudo, pegar uma
faca e tentar assassinar o pai. Poderá fugir para a rua, desvairada.
Essa política contra os hospitais psiquiátricos tem como resultado
prático uma tragédia em que os ricos internam seus filhos em clínicas
particulares e os pobres morrem na rua. Quando ouço alguém dizer que as
famílias internam os filhos porque querem se ver livres deles, só posso
pensar que essa pessoa gosta dos meus filhos mais do que eu. Nunca viu
meu filho, mas ama meu filho mais do que eu. Absurdo. Você não sabe o
que é uma família ter um filho esquizofrênico. Além do problema do
tratamento, existe o desespero de não saber o que fazer. Os hospitais
psiquiátricos continuam a existir porque os médicos sabem que não há
outra saída. Não se interna um doente para que ele fique vinte anos lá
dentro, mas sim três dias, três meses. Meus filhos nunca ficaram
internados além do tempo necessário. Eles voltavam para casa normais.
Era uma alegria. Nenhuma família quer ter seu filho preso.
Como foi a primeira vez que se defrontou com a doença?
O primeiro surto do Paulo foi no exílio, em Buenos Aires. Um dia, no
apartamento, a gente estava brincando, a bola desceu pela escada, ele
saiu para pegá-la e não voltou. Desci, ele tinha sumido. Em que direção
eu ando? Voltei para casa e fiquei chorando, não sabia o que fazer.
Paulo ficou meses sumido. Isso foi em 1974, logo que cheguei a Buenos
Aires. Terminei encontrando-o preso. No desvario, ele tentou roubar um
carro — não sabia nem dirigir — e foi preso. Fez greve de fome. Estava
esquelético.
O policial disse que era preciso uma ordem para
soltá-lo, porque era menor. Mas deixou que eu levasse meu filho, porque
sabia que ele estava doente. Levei o Paulo para casa. Ele entrou e
começou a arrebentar a janela. Morávamos no 5o andar. Ele foi internado.
Até o dia em que, esperto como é, sumiu do hospital, para sempre. Foi
encontrado em São Paulo. Saiu de Buenos Aires sem um tostão, com a roupa
do corpo. Esses episódios não têm fim.
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