Em agosto de 2017, a Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde apresentou diagnóstico da antiga Política Política Nacional de Saúde Mental na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), mostrando problemas importantes concernentes à Gestão, Modelo Assistencial e Indicadores de Resultados.
No que tange à Gestão, o Ministério da Saúde vinha aportando grande quantidade de Recursos Financeiros sem que o mesmo fosse executado. Além disso, haviam problemas importantes de produção e eficiência dos Serviços de Saúde Mental pelo Brasil afora. Em suma, foram identificados incentivos financeiros que não foram utilizados para criação de novos serviços, subnotificação de atendimentos, baixa ocupação de leitos em hospitais gerais (cerca de 15%), irregularidades na avaliação de hospitais psiquiátricos especializados pelo PNASH, denúncias de violação de direitos em SRTs, pacientes que já faleceram recebendo benefícios, obras financiadas e não executadas, serviços inexistentes recebendo financiamento, inconformidades na prestação de contas em convênios realizados com o Ministério, ausência de equipe mínima em um quinto dos CAPS, baixas taxas de matriciamento e atendimento à crise realizados nesses serviços, cursos com baixíssimo conteúdo técnico e alto teor de doutrinação ideológica.
Sobre o Modelo Assistencial, a desassistência era a tônica do processo. Com a não-inclusão dos Ambulatórios na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), tais Serviços passaram a não ser mais financiados pelo Governo Federal e, consequentemente, fechados. Tal situação levou a grande desassistência comunitária em Saúde Mental, já que os Ambulatórios são resolutivos e capazes de realizar grande volume de atendimento, contemplando a demanda assistencial especializada dos pacientes. Outro grande problema do antigo modelo assistencial era a ausência dos Hospitais Psiquiátricos na RAPS, com o consequente fechamento indiscriminado desses Serviços. Esse cenário levou a consequências nefastas na atenção aos pacientes que apresentam transtornos mentais graves agudizados.
Em decorrência dos graves problemas apresentados acima, os péssimos Indicadores de Resultados da antiga Política Nacional de Saúde Mental eram patentes: crescimento das taxas de suicídio no país nos últimos 15 anos; aumento de indivíduos com transtornos mentais graves em situação de rua; encarceramento de pacientes com transtornos mentais graves; aumento da mortalidade de tais pacientes; superlotação de serviços de emergência com pacientes aguardando vaga para internação; aumento do uso de drogas e dependência química no país; expansão das Cracolândias na maioria das cidades brasileiras; aumento de pacientes afastados pela Previdência Social, principalmente por depressão e dependência ao crack.
Assim sendo, diante desse grave diagnóstico e das consequências devastadoras para pacientes e seus familiares no Brasil, os Gestores do SUS pactuaram e publicaram, em dezembro de 2018, a “Nova Política Nacional de Saúde Mental” (Resolução CIT No. 32/2017 e Portaria No. 3.588/2017), com o objetivo de torná-la mais acessível, eficaz, resolutiva e humanizada. O objetivo é fazer com que pacientes, dos casos menos complexos aos mais graves, tenham acesso a tratamento efetivo no SUS.
A “Nova Política Nacional de Saúde Mental” contou com o apoio de mais de 70 entidades, dentre elas de representação de pacientes e familiares, gestores, profissionais de saúde, acadêmicas.
A Política Nacional de Saúde Mental compreende as estratégias e diretrizes adotadas pelo país com o objetivo de organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em Saúde Mental.
Dentro das diretrizes do SUS, propõe-se a implantação de uma Rede de serviços aos usuários que seja plural, com diferentes graus de complexidade e que promovam assistência integral para diferentes demandas, desde as mais simples às mais complexas/graves. As abordagens e condutas devem ser baseadas em evidências científicas.
A construção de uma Rede de assistência segura, eficaz e humanizada às pessoas com transtornos mentais tem sido um processo contínuo.
A RAPS foi ampliada e passa a contar com hospitais psiquiátricos especializados, hospitais-dia, unidades ambulatoriais e CAPS IV AD, além dos antigos serviços já existentes, com o objetivo de ofertar uma variedade de cuidados, que possam dar conta das diferentes necessidades dos pacientes. As ações foram construídas conjuntamente entre os gestores do SUS e cerca de 70 entidades, todas conhecedoras da realidade da saúde mental no país.
A RAPS passa a ser formada pelos seguintes pontos de atenção (Serviços):
- CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), em suas diferentes modalidades
- Serviço Residencial Terapêutico (SRT)
- Unidade de Acolhimento (adulto e infanto-juvenil)
- Enfermarias Especializadas em Hospital Geral
- Hospital Psiquiátrico
- Hospital-Dia
- Atenção Básica
- Urgência e Emergência
- Comunidades Terapêuticas
- Ambulatório Multiprofissional de Saúde Mental
Nas novas ações do Ministério da Saúde, as SRTs também passam a acolher pacientes com transtornos metais em outras situações de vulnerabilidade, como aqueles que vivem nas ruas.
Outro ponto é levar o poder público às áreas de maior vulnerabilidade social e promover o atendimento mais próximo do cidadão: foi criada nova modalidade de CAPS (IV AD) para funcionar 24 horas nas regiões de cracolândias.
Além disso, o atendimento ambulatorial também passa a ser incentivado. Para tanto, o Ministério começa a custear equipes multiprofissionais especializadas em saúde mental para atuar em ambulatórios, de maneira integrada à atenção básica e aos CAPS, ocupando um vazio assistencial que existia na RAPS. As Equipes Multiprofissionais para atendimento Ambulatorial poderão ser alocadas em Clínicas e Ambulatórios, bem como em Hospitais.
Outro grave problema a ser enfrentado é a falta de leitos psiquiátricos especializados e atendimento qualificado nos Hospitais. A partir de agora, para a internação de pacientes em decorrência de transtornos mentais agudizados em Hospitais Gerais, será exigida a presença de equipe multiprofissional em enfermarias especializadas, o que dará maior eficiência e qualidade no tratamento dos pacientes. Além disso, após nove anos, o valor pago pelas internações em Hospitais Psiquiátricos foi reajustado, medida que visa garantir atendimento adequado nas internações indicadas. Os Hospitais Psiquiátricos também poderão participar do Incentivo Financeiro do Programa 100% SUS, direito que lhes era negado. Ademais, as ações da “Nova Política Nacional de Saúde Mental” não será mais sinônimo de fechamento de leitos e de hospitais psiquiátricos. O Brasil conta hoje com uma cobertura deficitária nesta modalidade assistencial. Somando leitos em hospitais psiquiátricos especializados e aqueles em hospitais gerais, temos cerca de 0,11 leito por 1.000 habitantes, quando o preconizado pelo próprio Ministério seria de 0,45 por 1.000 habitantes. Este índice está bem abaixo da média de cobertura dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sendo reconhecidos impactos negativos quando o índice fica abaixo de 0,30 por 1.000 habitantes. O Ministério está buscando corrigir este déficit.
Sobre as comunidades terapêuticas, de apoio à recuperação de usuários de drogas, foi criado um grupo de trabalho interministerial, com membros dos Ministérios da Saúde, Justiça, Trabalho e Desenvolvimento Social, para estabelecer critérios para o funcionamento, expansão e financiamento desses serviços. O objetivo é garantir o acompanhamento do poder público, promovendo a oferta de cuidado de qualidade aos pacientes com dependência química acolhidos nessas entidades. No ano de 2018, o Governo Federal triplicou o número de vagas para acolhimento aos pacientes com dependência química. Com essa medida, a expectativa é acolher mais de 27.000 pacientes em um ano.
Todas essas medidas atendem a anseios de movimentos sociais, aos desafios enfrentados diariamente por profissionais da RAPS e às necessidades apontadas no diagnóstico inédito feito pelo Ministério da Saúde.
Juntamente com a expansão da assistência, o Ministério da Saúde passa a aprimorar o monitoramento e acompanhamento da Política, bem como estabelecer diretrizes e protocolos de assistência para que o atendimento aos pacientes acompanhados na RAPS seja embasada em evidências científicas. Passa-se a trabalhar para oferecer tratamento de qualidade, com respeito ao dinheiro público.
Além das ações assistenciais, o Ministério da Saúde também começa a atuar com maior vigor na esfera da prevenção. Na frente de dependência química, o Ministério da Saúde passa a ajustar e fazer novos estudos dos Programas que vinham em curso até o presente momento. Isso, pois os estudos conduzidos a partir da aplicação desses Programas mostraram resultados bastante insatisfatórios, sendo que um deles chegou a causar ação iatrogênica. No que tange à prevenção do suicídio, o Ministério da Saúde lançou, em setembro de 2017, ações estratégicas nessa área. Publicou o primeiro relatório epidemiológico sobre o tema no país. Fez oficinas com a Imprensa para discutir e orientar sobre o tema. Além disso, o Ministério vai repassar recursos financeiros para os seis Estados com as maiores taxas de suicídio no país para a realização de planos locais de prevenção.
Ainda como parte das ações de prevenção, foi realizado convênio, em março de 2017, com o Centro de Valorização da Vida (CVV). Por meio dele, as ligações ao CVV deixaram de ser tarifadas, o que levou a grande aumento na demanda. Para dar conta dessa nova realidade, o Ministério aportou recurso financeiro para que a entidade passe a se organizar nesse novo contexto. O Ministério da Saúde também passa a ter ações prioritárias de prevenção ao suicídio em nos seis Estados do país com maiores de tais ocorrências, a saber, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Roraima e Piauí. O Governo Federal liberou R$ 1.440.000,00 para a realização de ações de prevenção ao suicídio nesses Estados, que ocorrerão por meio de trabalho em conjunto com os territórios, levando-se em consideração as especificidades locais.
No início deste ano de 2018, ocorreram também mudanças nas diretrizes da Política Nacional sobre Drogas (Resolução CONAD No 1/2018), com o objetivo de promover ações que façam frente às graves demandas sociais relacionadas ao crescente uso de álcool e outras drogas no país. Abaixo, seguem as principais mudanças apresentadas na Resolução do CONAD:
- Alinhamento entre a Política Nacional sobre Drogas e a recém-publicada Política Nacional de Saúde Mental;
- Ações de Prevenção, Promoção à Saúde e Tratamento passam a ser baseadas em evidências científicas;
- Posição contrária à legalização das Drogas;
- Estratégias de tratamento não devem se basear apenas em Redução de Danos, mas também em ações de Promoção de Abstinência, Suporte Social e Promoção da Saúde;
- Fomento à pesquisa deve se dar de forma equânime, garantindo a participação de pesquisadores de diferentes correntes de pensamento e atuação;
- Ações Intersetoriais;
- Apoio aos pacientes e familiares em articulação com Grupos, Associações e Entidades da Sociedade Civil, incluindo as Comunidades Terapêuticas;
- Modificação dos documentos legais de orientação sobre a Política Nacional sobre Drogas, destinados aos parceiros governamentais, profissionais da saúde e população em geral;
- Atualização da posição do Governo brasileiro nos foros internacionais, seguindo a presente Resolução.
É importante ressaltar que as mudanças nas Políticas descritas acima foram realizadas em obediência à Lei 10.206/2001, que redirecionou o modelo da assistência psiquiátrica no Brasil e estabeleceu direitos dos portadores de transtornos mentais. Vale lembrar aqui que é direito do paciente “ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades”, de acordo com a Lei, mostrando a necessidade de se ofertar tratamento aos pacientes, de acordo com suas necessidades, e complexidade de seu caso clínico. Diante disso, a RAPS foi ampliada, com a inclusão de novos pontos de atenção, com o objetivo de ser mais estruturada e equilibrada na oferta de tratamento e cuidado aos pacientes e seus familiares. Seguiram-se orientações das melhores práticas nacionais e internacionais para o atendimento do indivíduo que apresenta transtorno mental, bem como de seus familiares. “A atenção equilibrada é essencialmente comunitária, mas os hospitais têm um importante papel de retaguarda... É importante coordenar os esforços de uma diversidade de serviços de saúde mental” (Thornicroft & Tansella, 2008).
Vale frisar que não há qualquer motivo para privar o paciente com transtorno mental de uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) potente, poliárquica, com serviços de diferentes níveis de complexidade integrados e articulados. Assim sendo, não há nenhuma evidência, por exemplo, de que Ambulatórios Multiprofissionais, Hospitais-Dia e Hospitais Psiquiátricos devam ser excluídos da RAPS, em nenhum lugar do mundo. Basta estudar os Sistemas Públicos de Saúde Mental do Canadá (“British Columbia Mental Health Services”), Austrália (“Australian Mental Health Service Organisations”), França (Relatório Sumário - Saúde Mental na França - OMS), Alemanha (Brochura sobre o Sistema de Saúde Alemão - OMS) e Reino Unido (“National Health Services - UK - South London and Maudsley Trust”), por exemplo. Ou atentar para como organizamos outras áreas da assistência no Sistema Único de Saúde (SUS), como cardiologia, ortopedia ou oncologia. Os Serviços devem, sim, seguir os princípios básicos de legalidade, ética, atendimento humanizado, qualidade e de atendimento baseado em evidências. Devem as três esferas de Governo atuar de forma orientadora e fiscalizadora, garantindo o seguimento das normativas vigentes. Os Serviços devem sempre ser regulados, fiscalizados e melhorados.
É importante ressaltar que a RAPS está sendo expandida e fortalecida, sem prejuízo de nenhum de seus componentes.
Novos componentes da RAPS, qualificação técnica dos Serviços e dos profissionais, incorporação das melhores práticas e melhora da retaguarda para crises são medidas a favor dos pacientes e suas famílias e contra a cronificação, o desamparo, o abandono, o encarceramento e a morte precoce, ou seja, em defesa dos Direitos Humanos. Em última análise, são os portadores de transtornos mentais e suas famílias os principais interessados e afetados pela falta de recursos, falta de vagas assistenciais de qualidade e falta de uma Rede que contemple de fato as diferentes necessidades e cenários existentes na Saúde Mental.
Assim, as novas ações ocorrem em defesa do SUS, do cidadão e de seu direito a um atendimento efetivo, humanizado e de qualidade em saúde mental. O SUS passa a oferecer uma rede assistencial equilibrada, ofertando tratamento, de acordo com as necessidades dos pacientes. Assim, a política pública passa a se adequar às demandas dos pacientes, e não o contrário.
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