FOLHA DE SP - 16/02
Hoje, muitas clínicas psiquiátricas possuem campos de esporte e salas de leitura e de jogos
A
morte de Eduardo Coutinho chocou o país e particularmente os seus
amigos. Morrer assassinado era a última coisa que alguém poderia prever
que ocorresse com ele. Por isso mesmo, ao chegar em casa e ver seu rosto
na televisão, me detive pensando que se tratava de alguma notícia
relacionada com sua atividade de cineasta. Não era, logo ouvi o locutor
dizer que ele havia morrido, e fiquei surpreso. E logo acrescentou que
havia sido morto por seu filho Daniel, de 41 anos.
Não dava para
acreditar naquilo, era absurdo demais. Não obstante, aos poucos, aquele
quadro trágico ia se completando e ganhando realidade. O filho era
doente mental e consumia drogas. Matara o pai a facadas e tentara fazer o
mesmo com a mãe; em seguida, esfaqueou-se a si mesmo, mas não morreu.
Teria
declarado a um vizinho que fizera aquilo para libertar os pais e a si
mesmo. Sem dúvida, é preciso estar louco e surtado para pensar e agir
dessa maneira. Depois de saber essas coisas, não restava dúvida: Daniel
agira tomado por um surto esquizofrênico.
Não sabia que Eduardo
Coutinho tinha um filho com esse problema. Segundo ouvir dizer, parece
que ele não admitia que o filho fosse doente mental e, se isso for
verdade, certamente evitava tratá-lo com tal. Pode não ser verdade mas,
se for, não seria o único caso de uma família não admitir que algum de
seus membros seja louco. Conheci uma família que manteve trancado num
quarto, por mais de uma década, um filho com problemas psíquicos.
Esse
tipo de comportamento decorre quase sempre de uma visão preconceituosa
da doença mental, como se sua incidência na família fosse uma espécie de
maldição. Era assim no passado. Hoje, no entanto, são pessoas avançadas
que negam a existência da doença mental. Segundo elas, trata-se apenas
de um relacionamento diferente com o mundo real. Admitir que alguém é
louco seria nada mais nada menos que um preconceito.
Certamente,
quem pensa assim nunca viveu de fato o problema. Como pega bem
mostrar-se avançado, aberto, antirrepressivo, muita gente não apenas
nega que a loucura seja doença como, coerentemente, se opõe à internação
nos chamados "manicômios". Criaram até um movimento que se intitula
"antimanicomial", que visa, de fato, acabar com as clínicas
psiquiátricas, uma vez que o que se chama de manicômio não existe mais.
É
verdade que, no passado, a internação nesses hospitais implicava em
agressão física e choques elétricos, mas não por simples crueldade e,
sim, pelo desconhecimento das causas da doença e de medicamentos
apropriados.
Com a descoberta dos remédios neuroléticos, os
hospitais psiquiátricos mudaram radicalmente. Hoje, muitas dessas
clínicas possuem campos de esporte e salas de leitura e de jogos. Já não
lembram em nada os hospícios de antigamente, que mais pareciam prisões.
Os
adeptos da nova psiquiatria fazem por ignorar essa mudança para
justificar sua tese contra a internação. Essa tese surgiu em Bolonha,
onde foi implantada com resultados desastrosos: os doentes pobres
terminavam nas ruas como mendigos.
Isso já começa a acontecer no
Brasil que, tendo adotado a tal nova psiquiatria, levou à extinção de
mais de 30 mil leitos em hospitais públicos. Quem tem recursos interna
seus doentes em clínicas particulares, enquanto os doentes pobres morrem
na rua. E isso é obra de um governo que diz trabalhar em favor dos
necessitados.
Tive oportunidade de conversar com pessoas que se
opõem à internação de doentes mentais e me dei conta de que nada sabem
da doença e aceitam a nova psiquiatria por acreditarem que favorece aos
doentes. Na verdade, a internação só tem cabimento quando o doente entra
em surto e consequentemente torna-se um perigo para si mesmo e para os
outros. Foi o que aconteceu no caso de Eduardo Coutinho.
Desconheço
a situação por que passava sua família naquele momento, mas não resta
dúvida de que o filho Daniel, que é esquizofrênico, entrou em surto. Não
sei por que os pais não solicitaram atendimento médico para interná-lo,
mas não tenho dúvida de que, se o tivessem feito, aquela tragédia
dificilmente teria ocorrido.
Espero que esse exemplo terrível leve as pessoas refletirem melhor sobre essa questão.