A esquizofrenia ainda é fonte de sofrimento. Mas os atuais tratamentos permitem aos doentes uma vida próxima do normal. Matéria publicada na Revista Veja, ed. 2063 fala sobre pessoas que se descobriram com a doença e sobre a esquizofrenia no nosso país. Leia aqui.
Era março de 1979. Aos 20 anos, Carlos Tolovi cursava o primeiro ano de administração de empresas na PUC de São Paulo. Numa manhã, como sempre fazia antes de entrar em classe, ele foi até a lanchonete da universidade tomar um café. Uma amiga apareceu e pediu um gole da bebida. Tolovi passou-lhe a xícara. Ao beber novamente o café, o rapaz sentiu um gosto estranho, amargo demais. No ato, ele teve a certeza de que havia sido envenenado. Voltou correndo para casa, enjoado. Vomitou durante toda a tarde – o que, em sua lógica, confirmava a suspeita de que a moça tentara matá-lo. Não era nada disso, claro. Naquela manhã, Tolovi havia adentrado o inferno da esquizofrenia. Ele passou a ser acossado por delírios persecutórios. A visão de um grupo de pessoas conversando, por exemplo, podia ser interpretada como um sinal inequívoco de que algo estava sendo tramado contra ele. Aos delírios, seguiam-se crises profundas de isolamento. A vida foi suspensa. Mas, graças aos remédios, às sessões de psicanálise e aos encontros com o grupo de auto-ajuda Fênix, desde 2005, Tolovi está livre dos surtos. "Quando fico duas noites sem dormir e perco o apetite, já sei que a coisa está vindo e imediatamente procuro o meu médico para que ele aumente as doses da medicação", diz.
Com cerca de 1 milhão de vítimas e 56 000 novos casos a cada ano no Brasil, a esquizofrenia é uma psicose devastadora. Solapa o raciocínio, a percepção, o afeto, a vontade. Além de sofrerem delírios, os doentes são acometidos de alucinações. Escutam vozes, vêem seres imaginários. A esses surtos intercalam-se períodos de uma apatia mortificante, marcados por lentidão e desordem de pensamento. "Mais do que qualquer sintoma, a característica definidora da doença é o profundo sentimento de incompreensibilidade e inacessibilidade que o paciente provoca nas outras pessoas", escreve a americana Sylvia Nasar, no livro Uma Mente Brilhante, a biografia do matemático John Nash, hoje com 80 anos e diagnosticado aos 30. A maioria dos surtos esquizofrênicos dura de um a seis meses. Mas o horror continua mesmo quando eles passam. A lembrança dos acessos geralmente é forte demais para ser cancelada, e o doente passa a viver na expectativa de que outros ocorram. "Poucos transtornos comprometem tantas funções cerebrais como essa doença", diz Wagner Gattaz, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Descrito pela primeira vez no fim do século XIX, o transtorno foi chamado de esquizofrenia em 1908, pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1857-1939). A palavra é resultado da junção dos termos gregos skizo (divisão) e phrenos (espírito). Doença da divisão do espírito, portanto.
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