Damon Winter/NYT
A prisão de Rikers, em Nova York, sofre com a violência de diversas gangues e de guardas correcionais
Com uma seca precisão burocrática, os relatórios diários de incidentes
em Rikers Island são uma crônica da violência e da desordem que
proliferam dentro do grande complexo prisional da cidade de Nova York.
Desde a noite de Ano Novo, de acordo com relatórios internos, pelo
menos 12 detentos foram cortados ou esfaqueados, oito deles no rosto ou
pescoço. Presos e oficiais de correção sofreram lacerações, concussões,
tímpanos furados, e fraturas no nariz, olhos, queixos e quadris. Em uma
briga recente, um pedaço da orelha de um preso foi arrancado a mordidas,
de acordo com relatórios confidenciais que foram obtidos pelo The New
York Times.
Desde os motins de gangues nos anos 80 e início dos
90 a violência em Rikers Island não alarmava tanto os oficiais de
supervisão, líderes sindicais e defensores dos presos. Ao longo da
última década, o uso da força por funcionários de correção aumentou
quase 240%, mesmo enquanto a população diária diminuiu quase 15% durante
o mesmo período, de acordo com dados do Departamento de Correção da
prefeitura, obtidos por meio da Lei de Liberdade de Informação.
A confusão dentro das prisões da cidade chama a atenção principalmente
por causa do declínio histórico nas taxas de homicídio e outros crimes
violentos fora delas. No centro do aumento da violência está uma
população de detentos que mudou significativamente nos últimos anos e
sob vários aspectos ficou mais volátil.
Em particular, os
oficiais de correção têm tido dificuldades com uma concentração cada vez
maior de presos doentes mentais que, segundo os especialistas, costumam
responder de forma desafiadora ou errática às medidas disciplinares
duras, de tolerância zero, empregadas com sucesso no passado.
Embora as condições hoje estejam bem longe da quase-anarquia de 20 anos
atrás, as ferramentas usadas para controlar essa era de violência podem
agora ser em parte responsáveis por criar mais desordem.
Relatos de abuso
Em entrevistas, presos e ex-presos descreveram abusos arbitrários e
injustificados por parte de outros detentos e oficiais de correção.
Robert Hinton, que toma remédio para agressão e paranoia, disse que ele
e outro prisioneiro de Rikers foram atacados violentamente por oficiais
de correção. "Fui algemado, eles nos chutaram, socaram, jogaram lixo em
nós, e jogou spray paralisante em mim - tudo ao mesmo tempo", disse
Hinton em uma entrevista.
Em outro confronto, disse Hinton, ele
apanhou de pelo menos 10 oficiais de correção em abril de 2012 depois de
se recusar a sair de sua cela. Ele sofreu uma fratura no nariz e em uma
vértebra e disse que foi asfixiado até desmaiar. Um dos oficiais disse a
ele: "É hoje que você vai morrer", relatou Hinton.
Hinton, 26,
que está processando o município por causa da briga, foi levado de volta
a Rilkers na semana passada por violar sua condicional. Um porta-voz do
Departamento de Correção disse que a agência não comentaria o processo
de Hinton porque é um processo em andamento.
Outro preso, Rodney Brye, 40, foi inocentado depois de passar quase
quatro anos em Rikers Island por uma acusação de porte de arma. Ele saiu
em 2012 com duas vértebras fundidas e uma placa em seu pescoço e agora
anda com uma bengala como resultado de uma surra dos oficiais de
correção, segundo ele. Ele também está processando o município. "Eles te
batem com qualquer coisa; batem até com um rádio", disse ele. "Você
pode tirar a vida de alguém dessa forma, e eles fazem isso com
frequência."
Norman Seabrook, presidente da Associação
Benevolente de Oficiais de Correção, disse que os funcionários estavam
assustados com uma população de presos difícil e normalmente violenta.
Os oficiais são alvos de socos e chutes rotineiramente, e às vezes
obrigados a tomar urina e fezes, disse Seabrook. Este mês, um oficial
teve o rosto perfurado por uma caneta.
A violência vem crescendo
lentamente por trás dos muros e cercas de arame farpado de Rikers
Island, obscurecida por outras prioridades do município.
O
prefeito Bill de Blasio, que assumiu o governo em janeiro prometendo
coibir os abusos no Departamento de Polícia e promover uma reforma na
educação, falou pouco sobre as prisões, embora tenha reconhecido a
necessidade de mudanças. Na semana passada, ele nomeou Joseph Ponte, um
oficial de correção de longa data conhecido por reformar prisões e
cadeias violentas por todo o país, para chefiar o Departamento de
Correção.
Ao apresentar Ponte, o prefeito disse que o
departamento tinha "infelizmente ficado para trás de outros sistemas
correcionais em termos de atualizar suas práticas e procedimentos."
A
situação em Rikers Island espelha uma "epidemia de violência" nas
grandes prisões municipais por todo o país, disse o Dr. James Gilligan,
professor de psiquiatria e coautor de um relatório de 2013 que revelou
que o tratamento de presos doentes mentais em Rikers Island violava as
normas municipais de saúde mental.
Ele disse que uma confiança
excessiva no confinamento solitário e na força em Rikers Island e em
outros lugares perpetuavam a violência entre os presos, particularmente
entre os doentes mentais, que lotaram as instituições correcionais do
país com o fechamento de hospitais psiquiátricos e outras instituições.
"Uma prisão como Rikers Island tem uma subcultura de violência", disse
Gilligan. Numa visita recente a uma unidade de confinamento solitário
juvenil em Rikers, ele disse: "Vimos jovens que tinham apanhado até
ficar em carne viva."
Um jovem preso, disse Gilligan, havia sido
algemado pelos oficiais de correção, que então bateram a cabeça dele
contra o chão. O preso, disse ele, tinha uma concussão e havia perdido
um dente, e estava vomitando e urinando sangue. O preso foi levado para a
unidade médica para tratamento, disse ele.
Um grupo vulnerável
Com 10 prisões abrigando uma população média diária de quase 12 mil
detentos, Rikers Island - na ilha de mesmo nome em East River, próxima
ao aeroporto La Guardia - é um dos maiores complexos prisionais do país.
Embora seja principalmente um centro pré-julgamento, ela abriga alguns
presos condenados.
Lá dentro, a tensão é crítica. Gangues rivais
- os Crips, os Bloods, os Latin Kings e os Trinitarios - disputam poder
e derramam sangue como numa guerra de tronos carcerária. Brigas
violentas emergem por causa do telefone ou do canal da televisão, dizem
presos e oficiais de correção. Os oficiais, usando coletes e armados com
spray de pimenta e cassetetes, recorrem à força com frequência e,
segundo os críticos, com excesso.
Nesse ambiente, presos doentes
mentais são particularmente vulneráveis, dizem os especialistas. A
proporção de prisioneiros com doenças mentais diagnosticadas cresceu de
20% para 40% ao longo dos últimos oito anos, de acordo com o
Departamento de Correção. Esses presos são responsáveis por dois terços
das infrações nas prisões municipais, diz o departamento.
A
monotonia, o isolamento e a agressão de oficiais e presos podem piorar
as doenças mentais, fazendo com que os detentos ataquem, diz o Dr. Bandy
X. Lee, professor de psiquiatria da Universidade Yale que é
especializado em violência em prisões e cadeias.
"Neste momento,
as prisões e cadeias estão se debatendo com uma população com a qual
não estão preparadas para lidar", disse Lee. "Não é tanto culpa do
sistema correcional. Eles simplesmente não estão equipados e não têm
conseguido se adaptar com a rapidez necessária."
Presos que
recebem tratamento para doenças mentais costumam pedir uma "visita por
ferimento" cinco vezes mais à clínica da prisão depois de uma briga
violenta com oficiais ou outros presos, de acordo com um estudo de 2012
do departamento de saúde do município. Eles também ficam na prisão muito
mais tempo do que aqueles que não apresentam doenças mentais e têm
chances maiores de reincidência.
Shateek Bilal, 40, que sofre de
esquizofrenia paranoica, já passou por Rikers Island várias vezes desde
1991, principalmente por crimes envolvendo drogas e violações de
condicional. No ano passado, ele cumpriu três períodos em custódia, dois
em Rikers e um no Complexo de Detenção de Manhattan, outra prisão
municipal, por um total de sete meses. Ele foi solto em 12 de dezembro e
agora vive com sua irmã.
O tempo na prisão "exacerbou minha doença mental, me deixou paranoico, e mais propenso a não tomar a medicação", disse ele.
Tradutor: Eloise De Vylder