quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Congresso traz a ótica de quem recebe a assistência psiquiátrica

Os profissionais do Hospital Severino Lopes juntamente com os membros da Associação dos Amigos e Familiares dos Doentes Mentais(AFDM) do RN marcaram presença, no último dia 10, no XXX Congresso Brasileiro de Psiquiatria, no Centro de Convenções de Natal. A AFDM foi convidada pela organização do Congresso para participar da mesa redonda com o  tema  A assistência à saúde mental na ótica de quem a recebe. 
Além da representante da AFDM-RN, Rafaela Sotero, compuseram a mesa a Promotora de Saúde, Dra. Danielle de Carvalho Fernandes, o vice chefe do departamento de comunicação da UFRN, Ruy Alkmim Rocha e a vice presidente da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), Bernardete de Araúlo. Para coordenar a mesa foi convidado o  Dr. Emmanuel Fortes, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.


Iniciando as apresentações a vice presidente da Abrata, Bernardete, abordou a temática:  “O papel da informação na luta contra o preconceito” falando sobre as atividades da Abrata, seus encontros psicoeducacionais, grupos de acolhimento, promoção de psicodramas, atendimento telefônico. Para Bernardete é preciso informar melhor e de forma mais intensa sobre a temática da saúde mental, ocupando espaços como escolas, empresas e imprensa. Outro aspecto importante para combate ao preconceito é a recolocação profissional do portador de transtornos psiquiátricos no mercado de trabalho, expôs a representante da Abrata.


Na sequência a representante da AFDM, Rafaela Sotero, apresentou o depoimento da vivência das famílias e a luta pelos direitos ao tratamento na saúde mental em todos os níveis da assistência, inclusive, o hospital especializado. Para Rafaela os hospitais são necessários, uma vez que, as demandas dos pacientes são individuais e específicas. Ela enfatizou o sofrimento com o estigma que a família recebe de querer se livrar do paciente: “eu amo meu avô, quero que ele tenha assistência e recupere a sua saúde e possa estar bem com a família em casa.”, disse emocionada. Escutar essa frase de profissionais de saúde é sentir-se desamparado, pois essa pessoa  que assim fala, não apresenta solução para a situação que estamos vivendo no momento, só critica e agrava o sofrimento. 
Outro ponto destacado por Rafaela é a necessidade de melhorar a saúde pública nesse segmento: "De pouco adianta o desenvolvimento da ciência se ela só serve para alguns, os que podem pagar por consultas e medicações caras ou internações em instituições luxuosas. A Psiquiatria e as demais profissões de saúde mental precisam estar disponíveis para a realidade de todos os que delas necessitam."

Em seguida a promotora Danielle Carvalho Fernandes abordou o tema sob a ótica jurídica. A promotora lembrou que o trabalho do Ministério Público é em prol de assegurar os direitos do cidadão, bem como efetivar e cumprir a política existente e o modelo proposto. Afirmou que o debate foi enriquecido pelo pluralidade de ponto de vistas.

Encerrando as apresentações da mesa o jornalista Ruy Rocha abordou a dicotomia entre o discurso e a realidade na área da saúde mental. Pontuou a necessidade de colocar a saúde mental na agenda política da sociedade. Afirmou a importância de unir esforços na sensibilização da classe política para efetivações de ações nesse setor.  Para ele, é importante que se atuem nos pontos de convergências entre as pessoas que atuam na área de saúde mental, para que se estabeleçam ações que contemplem de forma integral o portador de transtorno mental.

Após as apresentações da mesa, o coordenador Dr. Emmanuel Fortes e o público presente enfatizaram que a atual política de saúde mental tem desvalorizado o papel do médico psiquiatra na assistência. Reforçaram  importância da atuação do hospital psiquiátrico no momento da crise, bem como a importância dos ambulatórios de psiquiatria.

Acompanhe abaixoa íntegra da fala da AFDM:



AFDM-RN - Associação de Familiares e Amigos dos Doentes Mentais do Rio Grande do Norte

XXX Congresso Brasileiro de Psiquiatria – Psiquiatria, ciência e prática médica
                                                                                                   
                                                                                                                    10 a 13 de outubro de 2012

Meu nome é Rafaela Fernanda Sotero, meu avô era alcoolista, meu pai e meu tio também são portadores de transtorno mental e eu conheço essa realidade desde que nasci.  Estou aqui representando os familiares dos portadores de transtornos mentais do Rio Grande do Norte e agradeço a organização desse importante Congresso, por nos convidar para participarmos dessa reunião. A Associação que represento chama-se AFDM-RN, Associação dos Familiares e Amigos dos Doentes Mentais do Rio Grande do Norte.  A AFDM-RN  foi fundada em maio de 1995, quando alguns  familiares de portadores de transtornos mentais aqui do RN, ficaram assustados com a notícia de que do dia para noite os hospitais psiquiátricos iriam deixar de existir. Naquela época,minha avó, D. Lindalva, junto com D. Salete, D. Angelita, Ailton Torres, Sr. José, D. Lúcia, D. Joana, todos  se conheciam por serem usuários dos serviços de saúde mental,  e no desespero  com a notícia , foram a procura de orientação  nos hospitais psiquiátricos que conheciam e os profissionais confirmaram a possibilidade do fechamento dos hospitais e os orientaram que a sociedade organizada, um grupo organizado, lutando por suas necessidades e direitos seria escutado. Dessa forma, como diz o ditado popular, “uma andorinha só não faz verão”, conseguimos apoio e orientação  em alguns profissionais que enxergaram o nosso desespero e fundamos a nossa Associação.
Os hospitais não fecharam e são necessários para o tratamento dos nossos familiares. Outros serviços foram criados, porem, toda forma de tratamento é importante e válida. Não pode existir um só modelo, por que as pessoas e suas histórias são diferentes.
Como familiares de portadores de transtornos mentais, somos responsabilizados, levamos a culpa e a crítica pública, por parte de pessoas leigas e pior, por parte de alguns profissionais de saúde mental mesmo, por toda e qualquer atitude que o nosso familiar portador tem na comunidade e ou por que internamos os mesmos num hospital psiquiátrico. “A família interna por que quer se livrar do doente”. Já escutamos isso várias vezes e tenho certeza que quem fala assim, não tem portador de transtorno mental na família ou não é usuário do serviço público de saúde mental. Escutar essa frase de profissionais de saúde é sentir-se desamparado, pois essa pessoa  que assim fala, não apresenta solução para a situação que estamos vivendo no momento, só critica e agrava o sofrimento. Foi o que aconteceu com o pedreiro Evânio Fernandes que, em 29 de janeiro de 2008,  passando pelo atendimento no Pronto Socorro  por duas vezes, foi atendido e encaminhado pra casa e na segunda vez, tocou fogo na casa, matou os dois filhos pequenos e foi linchado. 
Tragédias familiares como essa já devem ter acontecido em todo o Brasil e já fazem 4 anos, pra que lembrar? Porém, nós, lembramos sempre disso, cada vez que vamos levar nossos pais, mães, filhos, esposos, esposas, filhas, irmãos, irmãs e amigos, na urgência. O nosso medo é de  que seja negado o direito ao tratamento adequado, necessário, quer seja internado num hospital psiquiátrico ou em outro serviço. 
 O meu apelo pra todos os senhores e senhoras, que representam a Associação Brasileira de Psiquiatria e as demais Associações de Psiquiatria de cada Estado brasileiro, é que possam juntar ao desenvolvimento científico e técnico o envolvimento com as causas sociais, que significam as lutas pela melhoria da assistência aos portadores de transtornos mentais.
De pouco adianta o desenvolvimento da ciência se ela só serve para alguns, os que podem pagar por consultas e medicações caras ou internações em instituições luxuosas. A Psiquiatria e as demais profissões de saúde mental precisam estar disponíveis para a realidade de todos os que delas necessitam. A proposta é fazer parceria entre a ciência e os seus usuários, em prol do bem comum da sociedade, uma sociedade mais  saudável e justa. 
Falar sobre a realidade do meu Estado, o Rio Grande do Norte, não seria diferente das demais situações do restante do Brasil. O que encontramos são serviços de saúde mental funcionando precariamente e na maioria desses, faltando profissionais, inclusive psiquiatras, medicações e até mesmo alimentação.
Observamos o crescente número de moradores de rua portadores de transtornos mentais, o absurdo número de usuários de crack e outras drogas, sem assistência, sendo tratados como uma situação à parte e não como portadores de transtorno mental, sendo-lhes negada algumas vezes a internação psiquiátrica, quando necessária, apenas por entender que esse recurso de tratamento não deve mais existir, mesmo sabendo que alguns têm dificuldade de aderir aos Caps AD.
 É importante compreender que o que serve para alguns pode não servir para outros. E então? O que fazer com essas pessoas? A resposta é : Simplesmente o que está sendo feito em alguns lugares, sendo negada a existência de sua realidade, de seu transtorno. Doença mental não se esconde embaixo do tapete, a falta de tratamento adequado é que agrava e torna a pessoa inválida.  Não se morre de doença mental e sim de falta de assistência. A falta de cuidado atinge não só ao doente, mas à sua família, e a comunidade. O sofrimento mental é de todos que convivem com o doente sem assistência, porém a família, por estar mais próxima, acaba adoecendo também, então o número de pessoas deprimidas, ansiosas, angustiadas, sem esperanças, acaba aumentando. Estou aqui para dizer que o problema não é só nosso, dos familiares, porém de todos nós cidadãos. A nossa luta é pelo tratamento de acordo com a necessidade de cada um, como determina a Lei 10.2016 de 2001, que dispõe sobre a proteção e direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. As nossas histórias são reais, somos pessoas de carne e osso e temos direito a sonhar e ser feliz. Não é por que temos um doente mental na família que temos que deixar de trabalhar, estudar, para viver sendo acusados de não cuidar deles. Será que os políticos, a política de saúde mental, alguns profissionais, amam mais os nossos familiares que nós mesmos?
Portanto, o maior objetivo nosso em estar aqui hoje, reunidos com os senhores e senhoras, doutores, é apelar para suas consciências de cidadãos e chamá-los para se engajarem nas lutas sociais. É a união de cada um de nós que constrói esse coletivo, para o desenvolvimento da sociedade, da psiquiatria brasileira, a verdadeira, àquela que trata as necessidades do povo brasileiro. E como consequência , a diminuição do  sofrimento dos portadores de transtornos mentais e de suas famílias.

Muito Obrigada e que Deus ilumine os conhecimentos de cada um de vocês no caminho do bem comum.


Bom Congresso!
Natal, 10 de outubro de 2012
Esse documento foi elaborado por todos que fazem parte da AFDM-RN


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